Memória de Santarém: Os defuntos que votam 3n4f71
Créditos: Reprodução/Italo Damázio
Sob o título “Voto de defunto”, João da Praia (na verdade, Paulo Rodrigues dos Santos), escreveu – em O Baixo-Amazonas – esta bem-humorada crônica logo depois do encerramento da eleição para a prefeitura de Santarém, em outubro de 1953, quando, mais uma vez, se multiplicaram as denúncias de fraudes na votação, favorecendo o vencedor.
Diz o zépovinho que nas últimas eleições em Santarém votaram vários defuntos cujos títulos foram apreendidos pelas Juntas apuradoras.
Essa história de defunto votar é coisa muito velha, mas, salvo melhor juízo, os falecidos de antigamente saíam das urnas funerárias e entravam nas urnas eleitorais com menos freqüência do que atualmente. E provo.
Contava eu meus doze anos quando pela primeira vez exerci “o sagrado direito do voto”...
In illo tempora, com meus cabelos de juta e vermelhinho como camarão frito em massa de tomate, meu apelido era “velho Ólace”, porque, diziam as línguas de trapo, me parecia com o avô do amigo Sampson Wallace.
Num dia de eleição, que não era obrigatoriamente em domingo ou dia feriado, voltava eu do Grupo Escolar, o velho casarão dos Miléos onde agora reside o BBC.
Era quase meio dia. Ao ar por uma das seções, que estava às moscas por falta de votantes, espiei pela janela. Os mesários almoçavam (bons tempos aqueles). Sobre a mesa, ao lado da urna, uma vasta bandeja com pastéis, sanduíches, peru, galinha, arroz de forno, saladas, vinhos, cerveja e... bom apetite.
Ao me avistar, um dos mesários, o coronel X. (guardo o seu nome com amizade e reverência), gritou:
Olá, velho Ólace, entre, venha comer uns pastéis.
– Não esperei segundo convite. Entrei e logo me deram dois pastéis saborosos, de camarão com azeitonas.
– Velho Ólace, você é eleitor? Perguntou o coronel X.
– Não, senhor, coronel. Nunca votei.
– Pois hoje você vai votar. Sente aqui.
E me plantou defronte de um livro, dando-me uma caneta.
Pediu ao escrivão ou secretário que indicasse um nome.
– Fulano de tal! Disse o secretário.
– Escreva aí nessa linha o nome, disse o coronel.
Com os meus garranchos menos maus escrevi o nome do Fulano.
– Outro, sugeriu o coronel.
– Beltrano dos anzóis, leu o secretário.
– Bem, este é do sítio, faça a letra bem feia e grossa.
E eu desenhei o nome do leitor ausente.
– Outro! Velho Ólace, vá votando aí até se cansar. Esse agora é um velhinho lá do Aritapera. Faça letra bem tremida...
– Não sei tremer, reclamei.
– Espere aí, disse o coronel, e, enquanto eu escrevia, me dava pancadinhas no cotovelo.
A “” do velho aritaperense saiu uma beleza de temendinha. Eu próprio fiquei extasiado diante da minha perícia!...
Mais s e mais pastéis. Depois um copo de vinho.
– Fulano de tal, disse o secretário.
– Esse já morreu há tempo, informou alguém.
– Não faz mal, disse o coronel. Defunto também vota!...
Arregalei os olhos, aterrado, e sussurrei:
– Não! Defunto não. Não quero negócio com defunto! E larguei a caneta.
– Não seja tolo, velho Ólace. Escreva o nome do homem!
– Não, já disse que não escrevo.
– Mas por quê?
– Por quê? Sei lá se de noite esse defunto vem me engasgar quando eu estiver dormindo!
E deixando os pastéis e a eleição saí mais depressa do que entrara.
Ao chegar em casa cheirando a vinho e camarões:
– Isto é hora de voltar da escola, menino?
– Eu estava na eleição. Estava votando!
– Eu te dou a eleição. a pra cá! E entrei em seis bolos bem puxados.
Essa foi a minha primeira aventura eleitoral.
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