Batalhas judiciais que resultaram em liberdade para escravos, que tramitaram na Comarca de Santarém no Brasil Imperial ( I Parte) 133j2d
Com base em documentos do Centro de Documentação Histórica do Baixo Amazonas(CDHBA, da Universidade Federal do Oeste do Pará, o professor Rodrigo Caetano de Souza, em sua Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal do Amazonas (UFAM), mergulhou em centenas de processos do Fórum da Comarca de Santarém, do século XVIII, e de lá emergiu com vários casos emblemáticos de disputa judicial sobre propriedade e posse de escravos que, mesmo alforriados, tiveram que recorrer à justiça para garantir suas liberdades.
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A dissertação do professor Rodrigo Caetano de Souza - “A derrocada da escravidão em Santarém, Província do Grão-Pará: significados da liberdade e a dinâmica das alforrias (1871 – 1888)” -investigou a trajetória de vida dos agentes históricos da escravidão e da liberdade na Província do Grão-Pará, com foco na cidade de Santarém, nos anos de 1871 a 1888. O marco inicial se deve à aprovação da Lei 2.040 de 28 de setembro de 1871 (Lei do Ventre Livre), que assumiu uma condição ambígua. Ao mesmo tempo em que contribuiu para que mais escravos buscassem seus diretos, fortaleceu o domínio senhorial. Por outro lado, o ano de1888 marca proclamação da abolição da escravatura.
A pesquisa buscou compreender como escravos, libertos, libertandos e senhores, lidaram com as incertezas e inquietudes oriundas do processo de transformações pelo qual ava o Brasil Império, e especificamente a Província do Grão-Pará, e como responderam a este processo a partir dos usos e práticas das leis que assegurassem a condição social garantida pela alforria almejada para si e seus familiares, e a defesa da noção de propriedade, bem como a manutenção do domínio propiciado pela alforria, por parte do último.
São os casos das escravas Thereza e Ana Maria, e de Severiano, escravo do tenente-coronel José Joaquim Pereira Macambira, da mulata Erimiteria e do preto Gaspar, que serão tratados em quatro edições. O caso Severiano será publicado na segunda parte desta Memória de Santarém.
Essas ações judiciais se davam no contexto de uma inquietação de setores conservadores, apoiadores da escravidão, mas que pressionados pelo movimento abolicionista no final do Império, procuram usar a legislação que tratava sobre a propriedade de escravos para retardar, ao máximo, a concessão da liberdade total aos escravos, libertos e libertandos.
Em Santarém no último quarto do século XVIII, segundo Eurípedes Funes, cujo estudo foi consultado pelo professor Rodrigo Caetano de Souza, houve a prevalência dos pequenos plantéis de escravizados, sendo exceção os grandes e ricos proprietários, como foi o Barão de Santarém que arrolou em seus bens, o maior plantel identificado em Santarém, com 50 escravos.
Alguns colonos norte-americanos possuíram escravos nos Estados Unidos e continuaram a utilizar essa mão de obra em Santarém.
Comparando os dados é possível notar que Romulus Rhome foi o que mais prosperou em termos econômicos; o seu plantel nos Estados Unidos era de 5 escravos e ou a 27 no Brasil.
Rhome era sócio do Barão de Santarém e principal operador da fazenda Taperinha, resultante da sociedade de Pinto e Rhome, consolidada em 1872. A pesquisa mostra alguns aspectos dos negócios da escravidão envolvendo norte-americanos instalados na Colônia Confederada, em Santarém.
Ser proprietário de escravos numa sociedade regulada pela escravidão “obedecia a uma lógica própria, que se fundamentava em noções como status social, patrimônio e riqueza material.”
Miguel Antônio Pinto Guimarães, o Barão de Santarém, havia sido proprietário do ‘Engenho Taperinha’. Além de lojas na cidade de Santarém, possuía uma fazenda de gado vacum e cavalar em Alenquer, outra na Vila Franca. Sua história se confunde com a história da cidade no pós-Cabanagem(1835-1840).
Sua trajetória política é um caso à parte; o Barão de Santarém assumiu a presidência da Câmara de Santarém, e lá permaneceu até seu adoecimento; foi vice-presidente da Província, além de, vez ou outra, assumir missões para melhoramento agrícola. No contexto social, foi agraciado em1871 como título de Barão de Santarém, foi proprietário do Jornal Baixo Amazonas e líder do Partido Conservador local. Pode-se dizer que, entre as quatro famílias mais tradicionais da cidade na época do império, a que alcançou os lugares mais altos foram os Pinto Guimarães, capitaneados por Miguel Antônio.
A Lei do Ventre Livre (1871) libertou da escravidão o filho da escrava, porém o manteve atrelado à vontade do senhor por 21 anos.
A Lei do Sexagenário (1885) libertou os escravizados com 60 anos ou mais, no entanto, os obrigava a prestar serviços ao senhor no prazo de 3 anos.
Antes de casos de liberdade a escravos e escravas ocorrerem por decisão da justiça, houve situações de alforrias espontâneas, outras por meio de pagamento (uma espécie de pecúlio indenizatório), e uma terceira modalidade, esta patrocinadas por ‘sociedades’ locais que angariavam recursos financeiros para o pagamento das liberdades.
Foram duas entidades com atuação importante em Santarém, nesse período: Sociedade Comemorativa 15 de Agosto e Sociedade Patriótica e Beneficente Quinze de Agosto Santarena.
Essas entidades, por exemplo, aproveitavam datas comemorativas, como o dia da Adesão do Pará à Independência (15 de Agosto), e patrocinavam eventos em que essas alforrias eram anunciadas como se fossem de caráter humanitário.
O professor Rodrigo Caetano de Souza anotou que desde o final da década de 1860, já era possível encontrar essa ação das elites conservadoras. No entanto, o contexto da década de 80 apresentava uma conjuntura distinta; alforriar não se trata somente de um ato particular, mas ganhava dimensão de prova de civilidade. A modernização aqui exigia posicionamentos, no cenário política no império.
E em nome da alforria, a luta por liberdade foi levada aos tribunais, tornando visível a ambiguidade das leis, pois enquanto alguns conseguiram legitimar a alforria por esses meios, outros foram distanciados desse horizonte, e por fim notou-se que a alforria apresentava uma dinâmica de sentidos, usos e aspectos que foram fundamentais como mecanismo de controle por parte dos senhores, bem como horizonte a ser conquistado por parte dos escravos.
Cena na praia de Santarém, na segunda metade do século XIX - Créditos: Fonte: CHAMPNEY, James Wells. Travels in the north of Brazil. Álbum, 1860
A primeira parte desta Memória de Santarém relata a luta de duas escravas em busca de liberdade.
O caso está baseado nos Autos de Libelo Civil em que é autor Antônio Correa de Lacerda e réis Thereza Maria e Anna Maria, da Comarca de Santarém, em 1856.
No dia18 do mês julho no ano de1856, a liberta Thereza Maria, crioula de aproximadamente 22 anos, era notificada a comparecer ao tribunal, para ver e oferecer-se a falar, a respeito de alguns artigos levantados contra ela em um libelo civil peticionado no mesmo dia. O autor da petição era seu senhor Antônio Correa de Lacerda. Na petição também era mencionada Anna Maria, que na citação do escrivão, anexada nos autos, não foi achada. Os processos então caminharam em separado. Considerando que Thereza Maria tomou ciência do libelo civil, com fortes indícios de uma ação de escravidão, começava com ela o jogo jurídico que se arrastaria, por um ano aproximadamente, até a sentença.
Antônio Correa Lacerda justificava sua petição mediante uma cláusula de condição prevista em uma carta de alforria. O autor se fundamentava principalmente na linha que dizia: “sujeita fica a se conservar em minha obediência até meu falecimento e de minha mulher. ” Em outras palavras, a liberdade só se faria plena no caso das mortes dele e de sua esposa Brigida Maria de Souza.
Para sustentar sua versão, Lacerda apresentou uma certidão de alforria, que segundo ele, fora descumprida, o que foi contestado por Thereza, através seu procurador Antônio Gentil Augusto da Silva. E como prova de que, mesmo tenho alforriado Thereza, Lacerda a incluiu entre seus bens ao oferecê-la como garantia em uma escritura de hipoteca para adquirir um seringal na regão do vale do Tapajós, de propriedade de José de Pinho.
Dois dias após o início da ação, tem lugar a exposição dos ditos artigos. Antônio Lacerda ava a organizar os argumentos representados por Gentil em 4 artigos; no primeiro lembrava que a liberta Thereza Maria fora alforriada “com cláusula de obediência, ou sujeição servil durante sua vida”. No segundo reiterava que a "citada estaria lhe negando os serviços garantidos pela carta de alforria. No terceiro explicava que mesmo “no caso de uma alforria pura e sem cláusula, a ré seria sempre obrigada a reconhecer o direito do patronato e a prestação de serviços na qualidade de seu patrono nestes termos.” E, por fim, no quarto artigo reivindicava que a ré fosse “condenada a servi-lo durante sua vida ex vi [à força] da clausula de sua liberdade, além do direito do patronato a qual, em todo outro caso se acha sujeita, custos e mais penas de direito".
A ação foi nomeada “auto de sujeição”, o que não mudava o fato de evocar a ameaça à atual condição jurídica de libertandas de Thereza Maria e Anna Maria. Após receberem suas cartas, as duas conviviam com o risco de serem atraídas novamente ao cativeiro. Os quatro artigos de acusação buscavam provar que a condição vivida por Thereza Maria era ilegal. Conforme se viu posteriormente, ela vivia por si, mediante ganhos diários, os jornais.
Thereza outorgou o direito de réplicas, tréplicas e o que mais surgisse nos autos judiciais a Raymundo Gonçalves de Souza. É representada por ele que Thereza procura responder as acusações de Antônio de Lacerda. A ré, diferentemente do autor, não poupou argumentos, ao todo foram 10 artigos contrariando aos de Lacerda.
No primeiro artigo a libertanda diz que lhe foi concedida a liberdade pelo autor no dia 20 de dezembro de 1848, sendo registrada supostamente uma nova carta no dia 20 de dezembro de 1854. Thereza recorre ainda ao artigo 6 da Constituição do Império de 1824, que segundo ela lhe garantia a posição de cidadã. No segundo, a libertanda considera como válida a primeira carta de alforria, “mas a ré ignorando a cláusula nelas contidas e o direito que lhe assistia continuou a prestar-lhe serviço por espaço de quase seis anos.”
No terceiro artigo, Thereza coloca em questão sua atual condição de liberta em movimento, portanto alguém em gozo de sua liberdade: (...) "por conseguinte nenhuma cláusula, qualquer que ela fosse, poderia vigorar, se, pois, da palavra “liberdade” movimento por tendo sido ela por nacional pessoa, por que então tornaria a referida liberdade semiplena, o que em regra e segundo os princípios de direito, não pode e nem deve ser issível."
No quarto denuncia a perseguição por parte de Antonio de Lacerda, que tentou escravizá-la hipotecando-a como escrava ao senhor Jose de Pinho.
No quinto, inclusive menciona que o autor foi processado por esse crime, porém foi absolvido pelo júri com a alegação de que “não tinha conhecimento do mal e direta intenção de praticar”. Porém, a sentença que inocentou Lacerda reconheceu a condição de liberta de Thereza.
No sexto, a liberta denuncia o abandono que sofreu após a sentença citada antes, uma vez que o denunciante se retirou para o Alto Tapajós e não a levou. Essa situação ocasionou uma série de dificuldades que obrigou Thereza a buscar por conta própria o sustento, sem o qual experimentaria “terríveis necessidades”. Era vendedora de jornais. Como fica evidente, Thereza era uma ‘escrava ao ganho’, e mesmo depois de alforriada por condição continuou exercendo esse encargo.
Com o sétimo artigo, Thereza menciona o caso em que Lacerda tentou tomar os jornais dela, “por esta causa foi acusado na delegacia de Polícia e tirada de seu poder e tendo o processo seguido os seus termos e depois lavrado o termo de segurança foi a acusação julgada como procedente.”
No oitavo, nono e décimo artigo, Thereza se ressente das acusações de Lacerda.
O primeiro elemento jurídico acionado por Thereza, em sua defesa, foi o artigo 6 da Constituição do Império do Brasil de 1824, que tocava no assunto que interessava aos autos, a condição de Thereza. Especificamente o título 2º Dos cidadãos Brasileiros, no seu artigo 6º explica a categoria de cidadãos: “I. Os que no Brasil tiverem nascido, quer sejam ingênuos, ou libertos, ainda que o pai seja estrangeiro, uma vez que este não resida por serviço de sua Nação.”
Sendo liberta, Thereza Maria evocava seu direito como cidadã, reconhecido pela Constituição Política do Império. Assim sendo e comprovado, poderia o autor da ação Antônio de Lacerda ser condenado pelo crime de reduzir à escravidão pessoa livre.
No segundo argumento, Thereza Maria, ao que parece, denuncia a existência de duas cartas de alforria adas pelo senhor em diferentes anos, a primeira em 1848 e a segunda em 1854. Posteriormente a segunda carta também foi anexada, o conteúdo era o mesmo da primeira, não se sabe por quais razões Antônio de Lacerda tomou a decisão de registrar duas cartas. Outra questão que não fica esclarecida é o que quis dizer Thereza ao reconhecer que ignorou a “cláusula nelas contidas e o direito que lhe assistia continuou a prestar-lhe serviço por espaço de quase seis anos.”. A narrativa se presta a duas interpretações: ou Thereza, mesmo sendo liberta, continuou a trabalhar na condição de escrava por seis anos, ou a liberta reconheceu que não cumpriu a cláusula de servir ao senhor até a morte dele e de sua esposa.
O terceiro ponto elencado na defesa diz respeito à relação de liberdade e movimento. Thereza Maria há tempos vivia por si mediante a paga de seus jornais após o abandono de Lacerda. O abandono de um escravo como critério para a libertação foi inclusive colocada na Lei de 1871, porém já existia mediante o Código Romano.
Certo é que Thereza Maria conseguiu viver por si. Vendo que ela havia adquirido alguns jornais, Antônio de Lacerda quis tomar, “por esta causa foi acusado na delegacia de Polícia e tirada de seu poder e tendo o processo seguido os seus termos e depois lavrado o termo de segurança foi a acusação julgada como procedente.” Mesmo depois, o autor ainda recorreu.
No 9º argumento, Thereza reforça o que já havia dito. Ela nega de forma robusta a ingratidão, dizendo que nunca foi ingrata, “visto que não tem nada contra sua vida e nem tampouco o abandonou nas suas enfermidades e prisão, antes tanto, porém, não aconteceu da parte do autor para com a ré que a maltratou.” A fonte não permite entrever se os casos de enfermidades e prisão ocorreram após o registro da carta de alforria, ou antes. O que Thereza buscava mostrar era sua postura leal diante das adversidades de seu senhor. Este comportamento era desejado pelo típico senhor de escravos: obediência, fidelidade e lealdade.
Poderia ser uma forma de convencer o juiz, porém é provável que a liberta tenha agido assim pretendendo ao fim alcançar a alforria. Porém, para sustentar tais argumentos ela precisaria apresentar as provas, uma delas era a escritura de hipoteca:
(...) nesta cidade de Santarém no meu escritório na rua Santa Cruz estiveram presentes uma parte como devedor hipotecante Antônio Correa de Lacerda e de outra parte como credor hipotecário José de Pinho Gonçalves, todos de mim conhecidos, (...) e pelo hipotecante foi dito, perante as testemunhas, Simão José de Oliveira Campos e Paulo de Souza da Silveira, (...) que ele é devedor a José (?) Pinho da quantia de dois contos quinhentos e cinquenta e um, digo, mil cento e vinte oito reis, procedente da fazenda que ele lhe comprou no dia (...) se obriga a pagar no mais breve prazo, (...) me foi prometido que para a segurança do pagamento da hipoteca (?), uma escrava, de idade de 36 anos, Joaquina, retinta preta, Thereza Maria de 20 anos, (?) Maria de 18 anos. Santarém. 2 de junho de 1854.
Corria o mês de agosto de 1856 e, com a apresentação da evidência anterior, o cerco em volta de Antônio de Lacerda se fechava ainda mais. Não tendo outra opção, tentou embargar o processo, sem sucesso. Por fim, talvez vencido pelo cansaço ou pela robustez das provas, desistiu.
Vale ressaltar que ainda pairava sobre sua cabeça a possibilidade de um auto-crime de redução ao cativeiro de uma liberta legítima. Diante dessas possibilidades, Antônio Correa de Lacerda assina um termo de desistência. É interessante ler este documento na íntegra, pois ele deixa entrever o que motivou o autor a desistir da ação.
Termo de desistência
Aos nove dias do mês de outubro de mil oitocentos e cinquenta e seis, nesta cidade de Santarém a casa de morada de Antônio Correa de Lacerda, onde o tabelião viu e sendo ali presente o mesmo Lacerda, que dou fé, e reconheço ser o próprio. Por ele foi dito que na forma de sua petição e despacho retro, desisti de hoje para sempre da causa intentada contra sua liberta Thereza Maria, a a pôr na causa perpétuo silêncio e de como a fim, ao cofre lançou este termo que assina com as testemunhas presentes. Pedro de Alcântara Rebelo e José Fernando. Eu, João Crisotomo Pereira Souza. Tabelião (interino).
O destino de Thereza foi solucionado com a conclusão da nulidade de todo o processo, e a condição dela como liberta fora reconhecida agora diante do tribunal. Como o processo movido contra Thereza e Anna Maria acabou se separando, a segunda foi ouvida algum tempo depois, porém as formas e as práticas utilizadas por Thereza foram apropriadas por Anna.
Após as nomeações, os ritos jurídicos continuaram. Anna Maria diz ter tomado tardiamente conhecimento dos autos, por isso não dava ainda testemunho. Todavia, ela se comprometia a “provar o direito que assiste com documentos juntados de nº1 a nº7”.
Essa ação se deu em 14 de outubro de 1856, quase uma semana após a desistência da causa contra Thereza. Destes documentos, se destaca a ação criminal posta pelas libertas contra Antônio de Lacerda, exatamente pelo crime de reduzir à escravidão as libertas. Nele foi anexado um auto- crime de segurança contra partes. Importante acompanhar a linha de acontecimentos que permeiam esse processo. Réu: (...) O réu praticou o fato de ter dado como escravas, as libertas Thereza Maria e Anna Maria, uma filha daquela para obter bens alheios em garantir quantia que devia a José Pinho Gonçalves. Dar-se da parte do réu o fato de ter ele cometido o delito de má fé, isto é com conhecimento do mal e com intenção de praticar? Dão-se circunstâncias atenuantes a favor do réu? (?)
É certo que ainda não lhe havia ocorrido o auto de desistência já citado no caso de Thereza. Por fim, Antônio de Lacerda tentou sem sucesso embargar a causa de Anna Maria: “o juiz julgou improcedente o recurso interposto por falta de fundamentos judiciais, o condenou a pagar as custas”
Aqui, fica-se sabendo que Thereza, Anna Maria e uma filha de Thereza foram vítimas dessa ação. Tais perguntas foram feitas ao júri e, como já exposto pelo processo de Thereza, Antônio de Lacerda foi inocentado fundamentando-se na não intencionalidade da ação.
Os documentos mostram, no entanto, que mesmo perdendo a causa sobre o alegado direito em cláusula de alforria, com base em legislação das Ordenações Filipinas, que ordenavam as obrigações entre senhores e escravos – “Se alguém forra seu escravo, livrando-o de toda servidão, e depois que for forro cometer contra quem o forrou alguma ingratidão pessoal em sua presença, ou em ausência, quer seja verbal, quer de feito e real, poderá esse patrono revogar a liberdade que deu a esse liberto e reduzi-lo à servidão, em que antes estava.”, Lacerda deixou de ser condenado pela prática de escravidão, crime que ou a ter vigência na legislação penal do Império.
Mas Antônio de Lacerda não deixou de perseguir Thereza e Anna Maria. Tanto é que, no dia19 de julho de1856, foi obrigado a um termo de segurança com o qual se comprometia a não incomodar as libertas, “e não praticar contra elas qualquer crime coma condição de penas de 30 dias de prisão que lhe será imposta(ilegível) na forma do parágrafo 3ºdo artigo 10 do processo criminal.
Mostra-se assim que, para Antônio de Lacerda, que além de perder a causa e teve que pagar a custa do processo, a ação de escravidão não foi bem-sucedida. Por outro lado, para Thereza Maria, a filha e Anna, era o começo de uma nova etapa.
(Continua na próxima edição)