O gado Nelore e Zebu no vale do rio Tapajós 5n175z
Créditos: https://www.infoteca.cnptia.embrapa.br/infoteca/bitstream/doc/904114/1/Livro-Feliberto-completo.pdf
Rebanho fugiu
O polêmico Felisberto Camargo, primeiro diretor do Instituto Agronômico do Norte (atual Embrapa), formou em Fordlândia, no Tapajós, “o mais rico plantel de raça Nelore existente no Brasil”. Esse seria “o primeiro marco eficiente para a recuperação econômica da Amazônia”, conforme a diretriz estabelecida na Constituição de 1946 (resultando na criação da Superintendência do Plano de Valorização Econômica da Amazônia, a SPVEA).
Mas em 1952 o Ministério da Agricultura aplicara um “golpe de morte à pecuária do vale”, ao transferir o plantel do IAN para o patrimônio do Fomento da Produção Animal. Isso significava tirar o rebanho da Amazônia, denunciou o deputado estadual Líbero Luxardo. Inutilmente.
Introdução do Zebu
Felisberto Camargo ainda era diretor do Agronômico quando conseguiu convencer o presidente Getúlio Vargas a autorizar a importação de zebus indianos para serem instalados na Amazônia. Os 31 animais chegaram ao Brasil no final desse ano e foram mantidos isolados durante um ano na ilha de Fernando de Noronha, quando Camargo já deixara o IAN.
Mas provocaram intensa celeuma nacional e continental: os fazendeiros temiam que os zebus, transmissores notórios da peste bovina, contaminassem os rebanhos locais. Os animais acabaram, para o bem e o mal, sendo incorporados à criação amazônica e brasileira.
Nota do editor:
O fomento e o melhoramento feito por Felisbelo Camargo com as raças zebu e nelore, no vale do Tapajós, estão registrados no livro O HOMEM QUE TENTOU DOMAR O AMAZONAS, publicado pela Embrapa, com redação de Paulo Roberto Ferreira e Marly Quadros e edição técnica de Emeleocípio Botelho de Andrade.
Leia alguns trechos do livro:
"Antes da chegada do gado sindhi, Camargo fez um relatório, no final de 1951, sobre a pecuária na Amazônia, no qual informa sobre o plantel de gado nelore criado nas terras altas ou terra firme do Tapajós, mais precisamente em Fordlândia, onde ele preparou um pasto no lugar de 60 mil das 200 mil seringueiras plantadas por Henry Ford. O rebanho era um dos melhores do País, contando na época com 800 cabeças de animais, em 3 anos de trabalho.
Um dos primeiros lotes ou por Belém em fevereiro de 1948. Foi comprado no Rio de Janeiro do criador Durval Menezes. Das 39 cabeças que chegaram ao navio Atalaia, do Loide Brasileiro, 24 eram matrizes descendentes das melhores linhagens da época. A chegada dos animais de puro sangue atraiu ao porto de Belém grande número de criadores paraenses, que foi conhecer o gado zebu branco importado por Camargo.
O projeto com bovinos desenvolveu-se na Fazenda Daniel de Carvalho, município de Aveiro, onde foram formados mais de mil hectares de pastagem para a criação do famoso plantel de Nelore de Fordlândia.
Pode-se considerar que o atual rebanho nelore — reconhecido como um dos melhores do País e que tanto envaidece a pecuária paraense, não obstante a competência técnica dos pesquisadores e criadores, seu empenho, entusiasmo, dedicação, tempo e recursos despendidos — muito deve à tenacidade e à coragem de Felisberto Camargo.
Apesar da luta travada por Camargo, o gado red sindhi não teve a expansão e nem se tornou a referência leiteira que ele esperava para a Amazônia. Os animais vermelhos, de chifres curtos e de menor porte entre os zebus tiveram um desenvolvimento muito lento enquanto rebanho puro. No final de 1987, a empresa sucessora do IAN, a Embrapa, realizou um levantamento do plantel e verificou a existência de 125 descendentes dos 27 animais comprados por Camargo.
A decisão de ir buscar no Oriente uma raça de animal capaz de produzir leite surgiu após a implantação da Estação Experimental do Baixo Amazonas, onde ele desenvolveu um programa que incluía o nelore e o búfalo. Entretanto, além de carne para os operários de Belterra e Fordlândia, Camargo estava interessado em disseminar um gado leiteiro de boa linhagem adaptado às condições da Amazônia.
Por isso, pesquisou bastante nos Estados Unidos, onde esteve várias vezes, e concluiu que a raça asiática Sindhi era a mais adequada, por sua rusticidade e melhor produção leiteira. Sua ideia inicial era usar exemplares da raça pura para fazer cruzamento industrial com a raça europeia Jersey, cujos experimentos norte-americanos estavam dando excelentes resultados.
A justificativa para a importação do sindhi era que não havia na Amazônia um único rebanho, oficial ou particular, produzindo leite sob regime de controle da produção, para julgamento do mérito dos animais. É o próprio Camargo que explica a situação da época em texto produzido em 1957:
Em Belterra e Fordlândia, onde viviam entre 2.500 e 3.500 pessoas, nem carne nem leite eram produzidos. Tudo se comprava de fora. O leite em pó era fornecido gratuitamente, por indicação do corpo médico, a todas as crianças filhas de servidores da organização, cujas mães não tivessem leite suficiente para alimentá-las. Mantinha-se assim o mesmo padrão do tempo em que os norte-americanos da Companhia Ford istravam a cidade.
O ministro Carvalho aprovou também, em 1948, a sugestão de Camargo para importação de um plantel de gado zebu leiteiro e de um lote de búfalos leiteiros. A licença para importação demandou um longo tempo. O processo foi acompanhado pelas maiores autoridades do DNPA. Os técnicos Blanc de Freitas e Aluízio Lobato Vale foram a Belterra e Fordlândia, em épocas diferentes, para conhecer a região e fazer um relatório sobre o assunto.
Antes de viajar, Camargo mandou construir um quarentenário em Belterra onde o gado ficaria isolado e em observação. Tudo foi feito dentro dos padrões sanitários e sob a supervisão do DNPA. Além do governo brasileiro, a viagem de Camargo ao Oriente foi parcialmente financiada pela Fundação Rockefeller, que acompanhava o trabalho de formação de plantéis de gado de corte para a Amazônia desenvolvido pelo IAN. Com uma bolsa de estudos no valor de US$ 2 mil, Camargo deixou Nova Iorque e rumou para Washington, onde foi conhecer o plantel de red sindhi que o governo norte-americano conseguiu obter da Índia.
Depois de adquirir os 6 primeiros animais, 3 reprodutores e 3 novilhas, que representavam a fina flor da raça e as melhores linhagens leiteiras selecionadas a partir de 1926, Camargo mandou vacinar e se preparou para a primeira viagem.