Gov desmatamento


Memória de Santarém: Conflitos em Santarém em 1834 2135m

Portal OESTADONET/Ricardo Conduru - 21/07/2024

Ministro Aureliano Coutinho e o jornal oficial do império - Créditos: Reprodução

 


 

O jornal Correio Oficial, do Rio de Janeiro, edição 119, de 20 de novembro de 1834, noticia na primeira página os fatos que tiveram lugar na vila de Tapajós (atual Santarém) em agosto de 1834. Cerca de 300 sediciosos tomaram o depósito de armamentos e munições de guerra em vista de denúncias de que os portugueses e adotivos preparavam uma agressão contra brasileiros natos.

 

 

 

 

Primeiramente é publicado o expediente que presidente Bernardo Lobo de Souza despachou para o Ministro da Justiça, Aureliano de Souza e Oliveira Coutinho, dando conta dos fatos. Em seguida é publicado o expediente do juiz de direito interino da vila de Tapajós, Agostinho Pedro Auzier, endereçado ao presidente da província, relatando o ocorrido.

 

 

 

 

O expediente é seguido da ata do Conselho Municipal Extraordinário da vila do Tapajós, convocado para dirimir a contenda, e, ainda, a relação dos portugueses que deveriam ser despejados pela “requisição do povo brasileiro”. O que anteriormente havíamos publicado em três partes, publicamos agora na íntegra, para um melhor entendimento dos fatos.

 

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PARTE OFICIAL

 

MINISTÉRIO DA SAÚDE

 

(…)

 

Ilmo. e Exmo. Sr. – Tenho a satisfação de comunicar a V. Exa. para fazer presente à Regência Permanente em nome do Imperador o Senhor D. Pedro II, que esta província está em paz, não obstante o acontecimento que teve lugar na Vila de Tapajós, cabeça da comarca do Baixo-Amazonas, no dia 3 do corrente agosto; o qual acontecimento em nada alterou o sossego público, nem mesmo daquela vila, como V. Exa. verá da cópia do ofício do juiz municipal daquele termo, datado de 7, e dos documentos a que o mesmo ofício se refere; e que tudo envio a V. Exa.

 

Deus guarde a V. Exa. Palácio do Governo do Pará em 21 de agosto de 1834. – Ilmo. e Exmo. Sr. Aureliano de Souza e Oliveira Coutinho, Ministro e Secretário de Estado dos Negócios da Justiça. – Bernardo Lobo de Souza.

 

*

Ilmo. e Exmo. Sr.  – Cumpre-me levar ao conhecimento de V. Exa. a narrativa dos sucessos inesperados que tiveram lugar nesta vila ao amanhecer do dia 3 do corrente, quando tranquilos saboreávamos os frutos de uma paz serena. Pelas cinco horas da manhã ao toque da alvorada, se ouviu romper o de um rebate, que facilmente se soube ser no lugar do depósito de armamento e munições de guerra, que assaltado inopinadamente por uma porção de gente, e se achava entregue a trezentos homens, pouco mais ou menos, que compunham aquela reunião; compareceu imediatamente o juiz de paz do primeiro distrito, acompanhado das demais autoridades territoriais, e coadjuvados do Reverendo Vigário Geral lhes dirigiu a pergunta de qual era a causa daquele ajuntamento por todos os títulos ilegal e criminoso, tornou-se lhe em resposta, que haviam rompido naquele excesso por denúncias de que os portugueses e adotivos dispunham uma agressão contra brasileiros natos; e que o objeto de sua requisição  era a deportação dos referidos; foi preciso recorrer aos ditames da prudência (atenta a crise melindrosa) contém [ilegível] quanto as circunstâncias exigiam, até que acalmasse o calor sedicioso, dando imediatas providências para o cumprimento da requisição; pois que o contrário se tornava perigoso, e uma aluvião de males submergia a bela vila de Tapajós. Três dias sucessivos se conservaram na mesma atitude, e antevendo que talvez não fossem constantes em manter-se por mais tempo no círculo da moderação, lancei mão do único remédio que a prudência e a política podiam sugerir, qual o da convocação de um conselho composto de todas as autoridades e cidadãos grados, com o fim de evitar-se as animosidades e desatinos que costumam acompanhar as perturbações públicas; do contendo da Ata, que envio por cópia a V. Exa. verá as deliberações do mencionado conselho, e a maneira porque salvou o município, fazendo o sacrifício de transigir com os sediciosos, resultando-lhe, destarte, a vantagem de restabelecer o sossego público e tranquilidade das famílias, e restituindo a paz e a ordem aos nossos lares.

 

Longe de pretender disfarçar o crime que perpetraram os revoltados, cumpre-me afirmar a V. Exa., em obséquio à verdade mais pura que desde o começo da sua reunião até o desvanecimento dela guardaram a melhor ordem, e se conservam nos limites de uma moderação superior a todo o elogio. Fica o município em perfeito sossego até este momento. É o quanto se me oferece participar a V. Exa. em desempenho de meus deveres.

 

Deus guarde a V. Exa. muitos anos. Tapajós, 7 de agosto de 1834. – Ilmo. e Exmo. Sr. Bernardo Lobo de Souza, deputado à Assembleia Geral Legislativa e Presidente desta província. – Agostinho Pedro Auzier, Juiz Municipal e de Direito interino.

 

Está conforme. – José Antônio da Fonseca Lessa, Secretário de Governo

 

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Ata do Conselho Municipal Extraordinário da Vila de Tapajós

 

Aos cinco dias de agosto de mil oitocentos e trinta e quatro, nesta vila de Tapajós, província do Grão-Pará, reunidas as autoridades territoriais e mais cidadãos conspícuos, que formaram o Conselho Municipal Extraordinário, sob a presidência do juiz de direito interino o Sr. Agostinho Pedro Auzier, na casa que serve de depósito do armazém e munições bélicos, o dito presidente ofereceu à consideração do mesmo conselho extraordinário, uma relação nominal dos portugueses aqui residentes, a qual lhe fora entregue pelo juiz de paz do 1º distrito desta vila, Manoel Felipe de Andrade Figueira, a quem o povo reunido havia endereçado, no intuito de obter a deportação dos referidos portugueses constantes daquela relação, como perigosos ao sossego público, e em consequência dos rumores propalados acerca dos mesmos, que se devia premeditarem agredir os brasileiros natos. O Conselho Municipal Extraordinário, atento ao melindre da crise que ameaçava funestíssimas consequências, deliberou unanimemente nomear deputação de seu grêmio, para intimar o dito povo reunido as circunstâncias, que se deviam ponderar na issão da sua requisição. Para este fim recaiu a eleição nas pessoas dos cidadãos o tenente João Caetano de Souza  Barreto, Manoel Antônio Ferreira e João Manoel Henriques, os quais, lendo em voz alta, e inteligível a predita relação, fizeram várias e sensatas reflexões sobre as circunstâncias de cada um dos indivíduos nelas compreendido, a fim de se obterem que fossem agraciados com o benefício da isenção de extermínio, e prestando o povo a maior atenção a tais reflexões, assentiram na ficada de alguns portugueses estabelecidos, e pais de família, e outros por se reconhecerem de ilibada conduta, e que nada influíam em nossos negócios políticos; havendo o povo reunido  merecido toda a contemplação pelo sossego e tranquilidade que mantiveram, sem abusar da força pública de que estavam apoderados, por cujo motivo, o Conselho Municipal Extraordinário não duvida esperar do Exmo. Governo Provincial, que estenda um véu anistia sobre este desvairado ado, que acaba de cometer o povo tapajoense por extremo cioso da sua liberdade no meio de um turbilhão de desconfianças, que os alucinou a tal ponto. Outrossim, para acalmar inteiramente a agitação pública e todo e qualquer receio da parte do mesmo povo, que se deseja subtrair à reprodução de uma cena semelhante, delibera o Conselho Municipal Extraordinário, reclamar ao Exmo. Governo a urgente e necessária medida de não consentir jamais no regresso desses portugueses, único meio de preservar-se esta bela vila dos vórtices assoladores da anarquia, de que por esta vez tão iravelmente se salvou. E de como assim se assentou, lavrou-se a presente Ata para constar, em que todos am, depois de lida e apoiada pelo povo reunido e armado. Tapajós, 5 de agosto de 1834. – Agostinho Pedro Auzier, Juiz de Direito Interino e Presidente. – Antônio d’Oliveira da Paz, Juiz Municipal interino. – Manoel Felipe de Andrade Figueira, Juiz de Paz do 1º Distrito. – Joaquim Antônio Lobato, Juiz de Paz do 2º Distrito. – Raimundo Antônio Fernandes, Vigário Geral; – Manoel de Azevedo Coutinho Raposo, Tenente-Coronel. – Antônio Marcelino Marinho Gamboa. – Raimundo José Auzier, Professor Público de Latim. – O Padre João Antônio Fernandes. – João Caetano de Souza Barreto. – Lizardo Antônio Loureiro. – Antônio de Paiva Palhão. – João de Deus Ferreira Canomam. – Luiz Ignácio de Macêdo. – Marcelino José Duarte. – José Antônio Luiz Coelho. – Bento José Rebelo. – Raimundo José Rebelo. – Mateus Rodrigues Pinto. – Manoel Antônio Pinto Guimarães. – De Manoel Antônio Ferreira estava uma cruz. – De João Manoel Henriques estava uma cruz. – João Ignácio Rebelo. – Barnabé Onofre Ferreira. – De Feliciano Ramos Bentes estava uma cruz. – Manoel Gomes Bentes Pereira. – Estevam Januário Valente Cordeiro, Juiz de Paz suplente do 1º distrito. – Raimundo Dias Leão. –  Antônio Maciel Branxes. – José Honório Duarte Maduro. – José Policarpo Gonçalves. – Miguel Fernandes de Vasconcelos. – Matias da Rocha de Souza Lima. -João Fleury da Silva. – Está conforme, Auzier, Juiz de Direito Interino. – Está conforme, José Antônio da Fonseca Leça, Secretário de Governo.

 

Relação dos portugueses que hão de ser despejados, a requisição do povo brasileiro da vila de Tapajós; a saber: todos são solteiros, sem prédio nesta vila.

 

Antônio Joaquim de Miranda. – José Rodrigues de Sousa. – João Antônio Lopes. – Manoel sem Sal. – Ignácio, sócio do dito. – Maximiliano José de Azevedo. – . – Manoel Dorondom. – Antônio Braço Forte. – Manoel Tartaruga. – Bernardino Martins. – Mestre Manoel, sócio do dito. – José de Melo. – Manoel Cardoso Monteiro. – Manoel José Nogueira. – José Pequeno. -Caetano Ferreira dos Santos. – Barbeiro. – Venâncio, sapateiro do Tapará. – José Cabo de Belém. – Jerônimo, genro de Mamedio. – Albano José de Matos. – Domingos Garcia. – Francisco José Maria. – Manoel José Nogueira. – Manoel Tapioca.

 

Está conforme, José Antônio da Fonseca Leça, Secretário de Governo.

 

*

 

– Ilmo. e Exmo. Sr. Depois que escrevi a V. Exa. em 21 de agosto próximo ado, e que enviei por cópia o ofício do juiz municipal do termo da vila de Tapajós de 7 do mesmo mês, recebi outro ofício do mencionado juiz municipal de 20 do referido agosto, relatando o acontecimento que teve novamente lugar na vila no dia 13; como melhor verá V. Exa. da cópia junta.  Da mesma cópia do ofício conhecerá V. Exa., que a paz se conserva naquela dita vila, não obstante os esforços dos inimigos da ordem. Os mais pontos da província permanecem em sossego, e toda ela em paz.

 

Deus guarde a V. Exa. Palácio do Governo do Pará em 13 de setembro de 1834. – Ilmo. e Exmo. Sr. Aureliano de Souza Oliveira Coutinho, Ministro e Secretário de Estado dos Negócios da Justiça. Bernardo Lobo de Souza.

 

*

 

Ilmo. e Exmo. Sr. Tendo-se felizmente conseguido desanimar a primeira sedição, que teve lugar no dia 3 do corrente, pacificando-se de um modo irável este alarme tumultuário, sem efusão de uma pinga de sangue, como fiz ver a V. Exa. no meu ofício de 7 do corrente, e consta da Ata do Conselho Municipal Extraordinário, que por efeito de tais circunstâncias momentosas me foi preciso reunir para o fim na mesma declarado, sendo a única medida de salvação pública que naquela imperiosa crise se podia adotar, restando, todavia, os elementos da desordem, que foi impossível sufocar de um jato; e das faíscas de um fogo mal extinto foi fácil engendrar-se um novo vulcão, cuja explosão sucedeu ao amanhecer para o dia 13 do corrente, em que uma facção liberticida e desorganizadora, composta de indivíduos da mais baixa extração, pela maior parte bandoleiros vândalos, surpreendeu a guarda do depósito das armas, prendeu o respectivo oficial, e se apossou da força com que pretendia romper na execução de seus horrorosos planos, com a dissolução da ordem social, mas às sete horas da manhã, reunidas as autoridades locais, com elas, e alguns cidadãos pacíficos, amadores da ordem, me dirigi àquele ponto, em que se achavam postados o sublevados, afrontando todo o perigo, e encarando só a salvação pública de mais conterrâneos, que antepondo a própria existência, cheguei à frente dos sublevados armados, e bradando pela ordem e obediência à lei e às autoridades constituídas, um tropel de gente afluiu logo, e engrossando o partido da legalidade e da ordem, caiu como um raio sobre os revoltosos, e lhes retomou as armas, ainda mais prodigiosa foi uma tal reação, que tão rapidamente se operou sem sangue.

 

A maior parte dos sublevados escapou; porém, os principais fautores, conhecidos por prova de fatos, e indícios veementes, foram logo presos e postos na maior segurança possível, à ordem do Juiz de paz do 1º distrito, Manoel Felipe de Andrade Figueira, que está instruindo e preparando o processo dos delinquentes.

 

Na tarde do memorado dia 13, assomou sobre as águas do Tapajós a barca Independência, que se destinava à comarca do Alto Amazonas. Julguei então a proposito dirigir-me logo ao comandante militar, Manoel Machado da Silva Santiago, que na mesma se transportava ao seu destino, e lhes roguei viesse coadjuvar as autoridades na árdua e penível tarefa de consolidar o sossego e segurança pública desta vila, à cuja requisição (verdade seja) anuiu aquele comandante, respondendo atenciosamente ao meu ofício; e no dia seguinte aqui deu fundo e desembarcou, tendo eu ido a bordo cumprimentá-lo e recebê-lo. Mas desde logo notei com assaz iração as maneiras pouco urbanas do referido comandante, que com morna indiferença e árida sequidão, acolheu meus sinceros cumprimentos de respeito e congratulação; e ponderando-lhe o estado da vila, respondia ad ephesios [ao acaso, à toa] e com ar de mofa e desprezo. Pelo que logo me desenganei a seu respeito, crendo que da sua corporação nada conseguiriam as autoridades e os bons tapajoense. E se não, que ando à Câmara Municipal, como órgão do município, a expor-lhe energicamente o estado das coisas, solicitando sua conservação temporária e da barca do seu transporte, a nada se quis prestar, como pela mesma Câmara V. Exa. será informado. E nestes termos continuaremos a fazer todos os sacrifícios por manter o sossego, e evitar a repetição de novos rompimentos na populaça que ainda se acha em fermentação e bastantemente agitada, e de modo que as autoridades marcham com muito tento, marcando-se com o plano do bom-senso e da prudência, ao menos para conseguirem a vantagem de se não reproduzirem as perturbações enquanto V. Exa. não der as providências que em tão crítica situação se fazem indispensáveis.

 

O serviço policial tão necessário padece efetivamente pela formal relutância das Guardas Nacionais, que não comparecem aos chamamentos, iludindo as ordens do respectivo chefe e tendo em pouca conta as penas do seu regulamento. Tal é, Exmo. Sr., o melancólico e desagradável espetáculo que oferece a bela vila de Tapajós, e tais as apertadas circunstâncias, em que se acham circunscritas as autoridades, que flutuando no meio de um pélago de angústias e de dificuldades, não podem desenvolver-se com a necessária energia para refrear a licença e insubordinação de seus governados relutantes, e por os cidadãos pacíficos ao abrigo de novos sobressaltos que a cada momento podem facilmente suscitar-se porque abyssus abyssum invocat.

 

Os réus cabeças de sedição do dia 13 concordaram as autoridades em os remeter à fortaleza de Macapá não só para maior segurança dos mesmos, por não haver nesta vila uma prisão oportuna e capaz de reter em segurança presos desta natureza, mas também porque se torna perigosíssima a existência deles nesta vila.

 

Julgou-se coerente esta medida, aliás, de muita urgência Macapá, compreendida nos limites desta comarca, não pode escusar de prestar-se a esta requisição que toda reveste em benefício geral da mesma comarca, e particular desta vila e termo, devendo-se ali conservar os presos até que chegue a época da reunião do Conselho de Jurados, pelos quais serão julgados, na forma da atual legislação.

 

Deus guarde a V. Exa., Vila de Tapajós, 20 de agosto de 1834. Ilmo. e Exmo. Sr. Bernardo Lobo de Souza, Deputado à Assembleia Geral Legislativa e Presidente desta província. – Agostinho Pedro Auzier, Juiz Municipal e de Direito Interino.

 

Está conforme. – José Antônio da Fonseca Lessa, Secretário do Governo.

 

Ricardo Conduru - Blog Cabanagem Redescoberta




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