Gov cop 30


Memória de Santarém: Jarbas arinho, o afastamento e a cassação do prefeito Elias Pinto ( exclusivo) 2m5g3x

Lúcio Flávio Pinto - 13/07/2024

O então ministro Jarbas arinho cumprimenta o presidente Emilio Garrastazu Médici, durante a ditadura militar - Créditos: Unicamp

 

 

Revelo uma troca de e-mails com o então senador Jarbas arinho, mantida entre fevereiro e abril de 2004. Há 20 anos, portanto. Esse material permaneceu inédito por um motivo: eu simplesmente perdi o documento no meio do tornado de papéis dos meus (des)arquivos. Os reencontrei e decidi divulga-los diante da importância do seu conteúdo. Fiz acréscimos em itálicos destacados do texto.

 

 


O então governador Alacid Nunes e o prefeito Elias Pinto desfilando em carro aberto no dia de sua posse na prefeitura de Santarém

 

 

1o. O Elias [Elias Ribeiro Pinto] me procurou em 1966, e eu era o presidente da Arena, sendo o Gerson Peres o Sec. Geral. Pediu-me aceitar a sua vinda para a Arena, o que foi vetado pelo Ubaldo, e quem eu acreditava muito, então, e que fora um deputado fiel na Assembleia durante meu curto mandato.


2o. Elias deu a resposta elegendo-se pelo MDB e arrasando o Ubaldo, que fez - ou teria feito por seu prestígio - a gritante maioria dos vereadores.

 

 


Posse de Elias Pinto na câmara municipal

 


3º. O Ubaldo fazia sérias restrições ao Elias, dizendo que já na SPVEA teria faltado à ética na comissão que tinha influência financeira.

 

 


Ubaldo e Paulo Rodrigues dos Santos. derrotados por Elias Pinto e José Maria Matos(Arquivo Sidney Canto)

 


4o. Como, desde sua posse, o Alacid não me ouvia em assuntos da política paraense e eu respondia com as indicações federais no Pará, não acompanhei o que revelas do encontro dele com o Elias.


5o. Como, porém, eu mantinha ligação de amizade fraterna com o Veloso [Major brigadeiro Haroldo Veloso], ele me procurou no Ministério dizendo-me o que iria fazer e fez, prestigiando o Elias no cumprimento da sentença do Juiz de Óbidos [Manoel Critho Alves]. Uma das primeiras rusgas que eu tivera com o Alacid, como presidente da Arena, ao preparar as chapas nas eleições de 1966, foi quando ele quis impedir a candidatura do Veloso e tudo fez para derrotá-lo, tanto que me lembro de haver pedido a correligionários de São Miguel do Guamá (ou outro na área) que votassem nele, e só assim o Veloso foi eleito. Não bastou a votação em Santarém.
 

 


Juiz da Comarca de Óbidos e desembargador Manoel Cristho Alves 

 

 


Não revelei ao Veloso a iniciativa frustrada do governador que eu fizera. Então, insisti com o Veloso a evitar participar de eata na cerimônia de volta do Elias à prefeitura.

 

 


Major Haroldo Veloso
 

 

6o. Depois de saber o que ocorrera, pedi informações aos meus amigos da Arena fiéis a mim. Deles - e poderei dar nomes, pois estão vivos e se me permitirem -  soube da ida do Alacid a Santarém pela manhã, onde deu ordens ao pé do ouvido do truculento delegado [o tenente Lauro Viana] e da troca de mensagens pelo rádio entre o governador e o Ubaldo.

 

7o. O Burnier, já brigadeiro e se não me engano chefe do Gab do Ministro [da Aeronáutica, brigadeiro Márcio] Mello, chegou a organizar uma retaliação que visaria o próprio Alacid. Disse-me o gen. [Jaime] Portella [chefe da Casa Militar do general Costa e Silva], que abortou a vingança fazendo com que o ministro Mello desse ordem para o retorno do avião com a tropa da Ae.

 

8o. Fui, com o Newton Barreira, visitar o Veloso, no hospital da Ae. no Rio, e dele ouvimos o relato praticamente igual ao que revelas no artigo.
 

9o. Fui ao presidente Costa e Silva, que me disse ser o Veloso " uma joia da Revolução" e instruiu o Rondon [Pacheco, chefe da Casa Civil] a conseguir uma medida da Arena no Congresso, razão pela qual o relator foi um deputado mineiro amigo dele (Dnar Mendes, se não me falha a memória) [era esse mesmo, da Arena] a ir ao Pará e apurar o fato, o que foi feito. 
 

Eu te disse, uma vez – sem querer ofender-te – que votara pela cassação de teu pai. Assumo. Não quero ser o " bonzinho", mas o governador nunca me disse o que já fizera através de ligações que tinha com o SNI do Pará. O Ubaldo, sim, me procurou fazendo pesada carga contra a probidade do Elias, numa história de um trator. Todos os casos do Pará que foram ao Conselho de Segurança para cassação, deles não tomei conhecimento antes, exceção para a tentativa de cassação do Gerson e do sogro do govenador [deputado estadual Abel Figueiredo] com acusações sobre a Assembleia.

 

10o Anos depois da anistia o Elias me procurou na casa do Ronaldo [arinho, sobrinho de Jarbas], no Mosqueiro, oferecendo-me apoio político em Santarém. A ele me referi respeitosamente num programa de rádio em Santarém numa campanha eleitoral, mas salientei que estava lá apoiando o candidato da Arena. Elias teria copiado minhas palavras até afetuosas e divulgado em sua campanha. O Ronaldo sabe disso com detalhes.


Lastimo  hoje o que ocorreu com teu pai, cuja biografia vim a conhecer em teu artigo que honra a ele e a ti. Cordial abraço. Jarbas arinho  
 

____________________


Prezado senador:
 

 

Muito obrigado pelo precioso testemunho. Gostaria, desde já, que me esclarecesse se se trata de "off" ou "on". Como já lhe disse, pretendo voltar ao assunto para revelar documentos [publicaria depois] que, tenho certeza, o sr. jamais viu. Vou lhe dizer, embora pareça incrível: encontrei estes documentos casualmente. São uma bomba. Estou aguardando o momento adequado para revelá-los.


Gostaria de utilizar algumas das informações do seu testemunho. Poderei fazê-lo usando-o como fonte, explicitamente, ou apenas utilizando as informações como base de apoio. Independentemente de como o sr. classifique seu testemunho, ele me é valioso. Não apenas como jornalista. Também como filho. Agradeço-lhe pela generosidade e fidalguia no trato da memória do papai.


Como sempre ressaltei, tenho consciência dos erros e falhas dele. Não o tomo por Catão, o que explica a distância que guardei dele, enquanto político, e eu, jornalista, e o silêncio que mantive durante tanto tempo, mesmo quando o Ubaldo manipulava A Província do Pará, através do [Cláudio Augusto de Sá] Leal [diretor de redação do jornal]. O papai podia ser criticado por derrapadas que praticou, mas não pelo que lhe atribuíam.


Li todo o processo do Tribunal de Contas. Havia irregularidades, é verdade. Mas nenhuma que justificasse o ato extremo de cassá-lo. Podia-se atribuir as irregularidades ao método concentrador e ao mesmo tempo caótico que ele tinha como . Cabia advertência e multa, mas não cassação. Mesmo porque a gestão da coisa pública, naquela época e hoje, não o distinguia a tal ponto que ele merecesse tal punição e os outros, não. Inclusive Alacid e Ubaldo, que estão (ou estavam) muito longe de qualquer padrão de correção.


O problema era o papai ser da oposição e o Ubaldo agir como uma serpente. Jamais assimilou derrota tão fragorosa como a que o papai lhe impôs, depois de ter sido duas vezes garfado (em 1958 e 1962) pelo Ubaldo, com a ajuda do juiz (depois desembargador) Manoel Cacela Alves, que era vasilha ruim (sou amigo de todos os filhos dele, assim como sou amigo de vários dos irmãos do Ubaldo e tinha bom relacionamento com ele; consegui não misturar minha vida com minha profissão e com meu pai, enquanto homem público).


Envenenado, Alacid agiu como um verdadeiro facínora, mandando o Lauro Viana "largar bala" se papai tentasse reassumir a prefeitura. Foi dissimulado ao receber papai como prefeito e estimular o diálogo, enquanto dava sustentação ao Ubaldo para, manobrando os vereadores, preparar o simulacro de processo político na Câmara Municipal, tomada por gente venal.


Aprendi que Alacid é truculento, mas covarde. Várias vezes procurei-o para conversas francas, mas ele fugia. Pensava que eu queria acertar as contas pelo papai, quando quem me mandava procurá-lo era a história, o jornalismo. Nunca me encarou. Por trás, porém, poderia ser capaz de qualquer coisa. Seu silêncio, que parecia tático (e acaba tendo esse efeito), era, na verdade, por medo de encarar as vítimas de seus golpes. Terminou sendo despejado da vida política por uma rasteira sagaz de um político do porte de Vic Pires Franco. De modo oblíquo, a história acabou fazendo justiça.


Olhe com mais frequência o correio eletrônico. A história e o jornalismo agradecerão por essa vigilância.


Ah, sim, uma coisa que queria lhe dizer: quando for jogar fora algum papel ou mandar em frente um livro, saiba que na minha casa tem uma lixeira pantagruélica e sempre uma prateleira vadia.
 

Grande abraço,
 

Lúcio


____________________


Meu caro Lúcio


Tive um dia cansativo e já são 23 e 20 em Bsb. Abri teu e-mail porque o priorizei como também o de uma prima distante que me descobriu agora e cujo irmão – líder católico – prestou-se a caluniar-me atribuindo-me ter mandado prender, em 1981/82, os padres ses que eu nem conhecia nem deles ouvira falar até então. Das 11 dioceses do Pará, 9 divulgaram a calúnia e fizeram campanha de casa em casa contra mim em 1982, mas não teria eu sido derrotado se o governador não se empenhasse pessoalmente em fraudar o resultado, "garfar", como dizes sobre o ocorrido com o Elias, em Santarém.


Tive o triste privilégio de ser personagem de homilias em que os caridosos padres pediam aos fiéis que não votassem em mim. Por isso, terás lido na entrevista que dei a O Liberal, que sou " católico de recenseamento'.


O objetivo meu no momento é dizer-te que podes usar minhas declarações como te aprouver, sempre em on.


Voltarei ao nosso assunto, mas deixa-me dizer-te que fiquei feliz pelo que escreveste a respeito de teu pai e de ti.  Abraços. Jarbas arinho 


________________


Prezado senador:


Como vai a saúde? A julgar por seus artigos, muito bem. Estimo que sim.


Volto a incomodá-lo para pedir sua valiosa ajuda para me esclarecer uma questão da história de Santarém.


Papai foi cassado duas vezes pelo Conselho de Segurança. A primeira, acho que ainda em 1968, para acabar com seu mandato de prefeito de Santarém. A segunda, já em 69, para suspender seus direitos políticos. Acho que foi o único bi-cassado, não? O sr. tem os documentos do processo de cassação dele? Se tem, ótimo: gostaria que me mandasse uma cópia. Se não tem, peço-lhe a gentileza de reconstituir o processo: quem pediu a cassação, como foi sua fundamentação, como ela se processou, se o sr. estava presente à sessão (ou sessões) do CSN na qual (ou nas quais) ela foi examinada. Enfim, o máximo que puder restabelecer dos fatos.


 Desde já muito grato.


 Ah: tem lido o JP?


 Um abraço,


 Lúcio Flávio Pinto


___________________


Caro Lúcio


Uma gripe severíssima, depois de 14 dias de tratamento intensivo, ainda não me deixou totalmente. Desculpa o atraso da resposta. Aliás da primeira pergunta que me fizeste a respeito do relatório Saraiva, que foi cadete de engenharia quando eu era tenente de Artilharia na AMAN. Fiz contato com ele. Disse-me (e não creio) que não tem cópia do relatório, mas que o Estadão seguramente o tem ou tinha. Quem sabe o Oliveira [Oliveiros] Ferreira  não sabe?


Quanto à cassação do Elias, nunca os do baixo clero ficamos com cópias. Só me lembro bem de uma vez e creio que foi a partir de 1969, com  AI-5. O pedido, só o conheci no dia da reunião, mas antes o Elias, que teria provas de improbidade na prefeitura a respeito de um trator (como é difícil recordar isso ados tantos anos) me fez saber da iniciativa do governador a pedido dele. Como te disse uma vez, aprovei a cassação;o. Só tive oportunidade de defender o Hélio Gueiros de comunista, acusação descabida do Cenimar e do [Camilo] Montenegro Duarte [advogado e político de centro-esquerda], mas não tive êxito. Não defendi o Elias porque não tinha nenhum dado a respeito e desconhecia os fatos levados pelo SNI à mesa da cassação. Jarbas arinho 


__________________


Prezado senador,


Muito obrigado pela sua resposta, que não tarda mais do que a justiça, mas é sempre precisa e elegante.


Por onde anda o coronel Saraiva [adido militar na embaixada do Brasil na França, que denunciou a prática de corrupção pelo embaixador Delfim Netto, incluindo a negociação de empréstimo europeu para a hidrelétrica de Tucuruí]? Será que ele foi punido (de fato, se não de direito) depois do relatório sobre as estripulias do Delfim (que, hoje, é um dos pró-homens da nossa pobre República)? Certamente ele tem o relatório, mas não quer se expor mais.


Falarei com o Oli, mas não acredito que tenha o documento.


Deduzo da sua resposta sobre a cassação do papai que todos os processos eram preparados pelo SNI. Quem era, na época, o chefe do serviço no Pará? Espero um dia ter o às transcrições das gravações.


Também tenho andado gripado. Nunca vi tanta chuva em março. Espero que logo esteja plenamente recuperado.


Grande abraço, 


Lúcio


____________________


Lúcio


Abri meu correio eletrônico e me deparei com tua mensagem. Ao que me lembre, o encarregado do SNI [Serviço Nacional de Informações, antecessor da Abin] no Pará era, naquela altura do processo levado à consideração do presidente Costa e Silva, o sogro do Osvaldo Melo, um certo coronel Gama, sobre quem não desejo comentar. Feliz Páscoa, ainda que o voto seja meio tardio. Estende o voto, por favor, ao Elias. Hoje completo 15 dias da waldomiro [gripe], ainda tenho febre. Não tenho lido o JP. Abrs. Jarbas arinho 

 




  • Imprimir
  • E-mail