Memória de Santarém: Defesa da criação do Território; um jornal subversivo, alto-falantes Ipiranga e Tapajônia 5s6xx
Jornal subversivo.
O vigilante delegado de polícia de Santarém decidiu apreender os exemplares do jornal mensal Reunião, editado no Rio de Janeiro, que Darlindo Rodrigues, o popular Bolinha, distribuía na cidade, como muitas outras publicações, no final de 1965. O delegado considerou “subversivo" ; o conteúdo do jornal, sobretudo um artigo de Carlos Heitor Cony sobre Juscelino Kubitscheck e a política nacional. O Reunião foi criado por Ênio Silveira, dono da Editora Civilização Brasileira, na época a mais importante do país, e durou apenas uma edição. Foi apreendido em outros lugares além da “Pérola do Tapajós”. Durou um número único. E virou raridade.
A criação do Território
No início de 1973, quando Santarém ainda tinha dificuldades de comunicação com o resto do país, chegou à cidade a notícia de que o governo federal decidira criar o Território Federal do Tapajós e que Santarém seria a sua capital. Sem esperar pela confirmação, O Jornal de Santarém publicou logo um editorial na primeira página da sua edição de 3 de março, saudando a “notícia alvissareira”.
O texto refletia a ansiedade da população por um novo status institucional, que melhorasse suas condições de vida. Mas também mostrava que essa atitude era iva [assim se mantém até hoje], como se a melhoria só pudesse vir por um ato de benemerência do poder central, na época ainda mais forte, por causa do regime de exceção implantado pelos militares. E não por uma conquista da vontade esclarecida e aplicada, o que talvez ajude a explicar o insucesso das várias campanhas pela criação do Estado do Tapajós.
O período de intervenção federal no município, a partir de 1969, deixou marcas profundas na mentalidade da população. Antes conhecida em todo Pará por ser aguerrida e ter mentalidade independente, que a levava quase sempre à oposição, ela se tornou retraída, tímida, insegura. Essa nova atitude prejudicou a formação de novas lideranças e induziu a sujeição a agentes vindos de fora, na qualidade de interventores. Essa marca fica bem nítida no final do editorial, que se limita a pedir que o déspota mandado de Brasília fosse esclarecido.
Dizia o editorial precipitado:
“Sem dúvida alguma a notícia da criação do Território Federal do Tapajós e da elevação de Santarém à categoria de sua capital foi uma das mais importantes e bem recebidas pelo povo de Santarém, nos últimos tempos.
Não que a condição de ser paraense nos incomodasse. Absolutamente. Isso era até motivo de orgulho, porque o povo do Pará, através dos tempos, vem descrevendo, no território nacional, uma bela página da História do Povo Brasileiro.
O motivo da alegria se justifica porque a elevação da Pérola do Tapajós à categoria de capital de um território representa mais um largo o em direção ao ponto de destaque que a natureza reservou à nossa cidade.
Como capital de um território, com importância que Santarém representa no desenvolvimento da área, nossa cidade ará a dispor de certos privilégios que a ajudarão a melhorar a atual situação em que se encontra em seu aspecto geral, não por descuido ou omissão dos seus dirigentes, mas por absoluta falta de recursos.
Como capital, outros órgãos federais virão instalar-se aqui. Teremos a sede não apenas do município, mas também a sede do Governo do Território, fator importante para um desenvolvimento mais acentuado.
Resta-nos, portanto, dentro da satisfação natural que a todos invade neste momento em que recebemos a notícia, rogar a Deus para que ilumine cada vez mais o nosso grande Presidente, a fim de que, na escolha dos dirigentes do novo território, possa encontrar pessoas que, além da capacidade de trabalho, venham gostar da terra tanto quanto de nós, para que, unindo as duas qualidades, encontrem as necessárias condições, dando a ela tudo aquilo que ela bem merece para crescer e progredir”.
O alto-falante
O alto-falante era um elemento importante na vida de cidades pequenas, como era Santarém, até a metade do século ado. Junto com reduzido número de emissoras de rádio, era o único meio de comunicação disponível. Por isso, houve festa concorrida na inauguração das novas instalações do Alto-Falante Ipiranga. Foi assim registrada pela crônica do jornal O Baixo Amazonas, o novo semanário que começou a circular na cidade nesse mesmo mês, de maio de 1952, em oposição a O Jornal de Santarém, lançado em 1943:
“Precisamente às 10 horas do dia 1º de maio [de 1952], com a presença das principais autoridades, teve lugar a inauguração da nova aparelhagem do Serviço de Alto-Falantes Ipiranga, à rua Siqueira Campos, nº 391, revestindo-se o ato de grande importância para os nossos meios radiofônicos, de vez que, com os aparelhos ora instalados, aquela empresa pode orgulhar-se de ser a mais perfeita do interior paraense.
Iniciando a execução do programa das solenidades, cortou a fita inaugural a srta. Lidalva Ferreira, representante do prefeito municipal, debaixo dos aplausos dos presentes. A seguir, o dr. Aluizio da Silva Leal, Juiz de Direito, abriu a porta principal do estúdio, onde o Sr. Vicente Malheiros da Silva, revendedor, em toda região, dos aparelhos Phillips, colocou em funcionamento o disco-prefixo da organização.
Após, o sr. Elias Pinto descerrou a bandeira brasileira que encobria o retrato do Chefe da Nação, dr. Getúlio Vargas, sob demoradas palmas e acordes de bem executada marcha patriótica.
Franqueada a palavra, usou-a o sr. Bernardino de Pinho, diretor do Serviço de Alto-Falantes Ipiranga, que pronunciou eloqüente discurso, focalizando as atividades que pretende desenvolver no sentido de bem servir à nossa terra. As suas últimas palavras foram bem recebidas por todos os presentes, que prorromperam, no final de sua oração, em estrondosa salva de palmas.
No término das solenidades, foram servidas taças de champanhe às autoridades que se dignaram comparecer ao ato.
“Vitrola” emudecida
Antônio Vidal de Carvalho, mais conhecido como “Vitrola”, requereu e obteve do juiz Célio Cal, dois meses antes da terrível eleição de outubro de 1955, mandado se segurança contra o delegado de polícia, conhecido apenas como Delgado, que invadira à noite as instalações do seu serviço de alto-falantes Tapajônia e o intimara “a terminar com o serviço de propaganda de casas comerciais e fechar o aparelho”, sob ameaça de prisão. Intimado pelo juiz a prestar informações quando o comerciante deu queixa contra ele, o delegado disse que nada tinha contra “Vitrola”. Mas, inseguro quanto a essa garantia, o dono do alto-falante preferiu munir-se de um mandado de segurança para prevenir novas más surpresas.
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