Memória de Santarém: cidade em mutação; o castelo que ruiu 5iz5r
Antigo Castelo -
Créditos: Arquivo
A cidade em mutação.
A dificuldade em distinguir valores sempre foi maior em períodos de transição. Tudo que é novo é considerado bom, enquanto se desvaloriza o que é velho. Sacrifica-se no altar do moderno os elementos de constância da história, que vêm do ado. Era esse o clima em Santarém no início da década de 1950: prédios antigos vinham abaixo ou eram descaracterizados, substituídos por novas construções, muitas delas de gosto mais do que duvidoso. A cidade queria se incorporar à onda de modernidade do país e do mundo, mas, sem um conhecimento de causa sobre si, uma certa intimidade com a própria história, esse ímpeto apagou muitas das pegadas do tempo inscritas em seu espaço urbano.
É o que mostra uma resposta dada por O Jornal de Santarém a críticas que o médico Haroldo Franco fazia ao prefeito Santino Sirotheau Corrêa, do PSD, o mesmo partido do jornal.
Dizia um dos trechos do artigo:
“Ao em vez se gastar o seu tempo com conselhos inúteis, o dr. deveria antes cuidar daquilo que é seu, pertence ao seu patrimônio particular, enfileirando-se ao lado dos que vêm concorrendo para o progresso de nossa cidade, construindo edifícios novos para residência ou para o comércio, quando não melhorando as fachadas dos prédios em que estão instalados.
Siga, dr. Haroldo, o exemplo do sr. Tuji, do sr. Veloso, dos irmãos Coimbra, Serruya, Marques Pinto, J. Duarte e tantos outros que residem em casas modernas e construíram ou reformaram edifícios para neles instalarem seus estabelecimentos comerciais. E o sr. Dr. Haroldo, que tanto escreve sobre o progresso de Sa ntarém, ainda nada fez pela cidade, ainda não concorreu para que Santarém apresente esse aspecto de renovação que se verifica em todos os sentidos.
Construa o dr. Haroldo um bonito edifício para a sua farmácia e para a sua residência particular. (...) Em vez de dar conselhos, dr. Haroldo, dê o exemplo ou ao menos siga o exemplo dos outros. Enquanto o sr. tiver a sua farmácia e residir nesse velho sobrado, tão antiquado e destoante dos demais prédios da rua João Pessoa, o sr. nada pode argüir contra o governador da cidade”.
O científico do D. Amando
O ensino secundário em Santarém era formado por uma escola normal (o Santa Clara, a mais antiga), dois ginásios e uma escola de comércio em 1959, quando começou a funcionar o curso científico no Colégio Dom Amando, sob o comando dos irmãos de Santa Cruz. O padrão de ensino americano adotado pela ordem tornou o curso científico do Dom Amando um padrão de qualidade no Pará. Santarém se tornou a primeira cidade do interior do Estado a contar com um curso pré-universitário.
O castelo que ruiu
Santarém é das cidades com uma das histórias mais longas e ricas do Pará. Mas já não parece. São pobres os registros sobre o seu ado. Os testemunhos físicos da evolução da cidade ao longo de quase quatro séculos vão literalmente ruindo. Marcas arquitetônicas que podiam ter sobrevivido foram destruídas. Uma delas era o Castelo, prédio que ganhou esse nome por sua forma, semelhante à de um castelo medieval. Essa aparência era ainda mais forte porque a construção avançou sobre o rio. Nas grandes cheias, o prédio ficava isolado, o que sugeria ainda mais a sua robustez. Algumas pessoas aproveitavam essa circuns tância para capturar camarões, que circulavam sob o piso da construção.
Apesar de suas grossas paredes, porém, o Castelo veio (ou foi posto) abaixo. Em 1959, a imprensa de Belém publicou um anúncio de venda do edifício, que permite visualizá-lo bem e ter uma idéia do modo de vida dos santarenos na época em que o prédio foi concebido. Dizia o anúncio da Folha do Norte:
“Vende-se um magnífico prédio em Santarém, situado no melhor ponto da cidade e no centro do comércio, muito apropriado para instalações bancárias, repartições públicas ou casa comercial nos baixos e excelente moradia, por ser muito ventilado, no 1º andar, onde contém 6 espaçosos quartos forrados e pintados de novo, sendo 3 de cada lado e corredor ao centro e mais 2 grandes salões nas extremidades, ou seja, 1 para o lado da rua João Pessoa e outro de frente para o rio Tapajós, e ainda 3 compartimentos ao lado deste último salão, adaptáveis de acordo com as conveniências dos senhores pretendentes. Banheiros e i nstalações sanitárias, água em abundância com tanque-reservatório com capacidade calculada para 20.000 litros e derivações para todos os compartimentos, que possuem também os respectivos lavatórios. Não há, portanto, problema de água. Possui também um sótão habitável. Na parte térrea: um único salão em toda a extensão do prédio”.
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