Memória de Santarém: O varzeiro na cheia de 1971 285f6v
Imagem da orla de Santarém no final da década de 1960 - Créditos: Reprodução/Memória do Poder Legislativo
Reproduzo as anotações que fiz durante a cobertura jornalística da enchente de 1971 no Tapajós. A intenção foi dar voz aos moradores da região, raramente ouvido nessas ocasiões, sem o formalismo de um texto jornalístico. Em tom de conversa, como na ocasião. Para aprender a lidar com um fenômeno anual, mas quase sempre encarado pelas autoridades como se estivesse acontecendo pela primeira vez.
* Das localidades visitadas, a mais afetada pela cheia foi a ilha dos Bons Ventos, que possuia aproximadamente 80 casas, todas dentro da água e seus moradores estavam em situação muito difícil. Para buscar capim para o gado, precisavam que andar 4 a 5 horas para cortar o capim. Muitos eram ferrados por arraia.
* Uma conversa em grupo sobre qual seria a solução para o pessoal de Cabeça d’Onça. Vir para a cidade, mesmo sem emprego, “porque os outros podem ajudá-lo”?
“Não devem ficar lá porque estão arriscados a perder a própria vida”?
Secagem de juta
“Não devem plantar juta porque no inverno as águas tomam conta do terreno e perdem o seu trabalho”?
*Opinião de um grupo de moradores de Arapiuns. Alguns achavam que deviam criar gado, porque “no inverno o gado pode ser transportado para a terra firme e o criador não pode ficar sem criar”.
Outros discordavam, porque “no inverno não tem onde o gado pastar e será difícil o corte de capim”. Sugeriam que o pessoal seja ajudado através da construção de casas ou lhes enviando palha, madeira, cipó, farinha, etc.
* Outro grupo especulava sobre o que fazer quando ocorre a cheia: “Alguns vão para a cidade. Mas a maioria procura terra firme porque na cidade é muito ótimo, mas sem emprego e ruim. Nem todo dia podem auxiliar, enquanto no interior podem procurar outros recursos, caçar, pescar. Devem se mudar do seu sítio principalmente os que não têm casa assoalhada, pois correm muito perigo com as crianças e com todos”.
*Segundo um morador, quando o vento é terral, as maresias são fortes e a tempestade custa muito mais a ar. Pergunto-lhe o que é vento terral? “Vento de cima”, responde.
* “Não temos para onde ir, é preciso sofrer com paciência que Deus há de nos proteger durante a vida”, acredita outro.
* “O homem com sua família atingido pela enchente recorre à terra firme, o pessoal da terra firme tem que ceder uma hospedagem em sua casa, ou arranjar uma barraca provisória até as águas baixarem”.
* A maioria acha que se deve plantar juta: “é um meio de ganhar mais na várzea” e criar gado porque “é uma das produções mais valorizadas no Baixo Amazonas”. O futuro? “Me conformar com a vontade de Deus”.
* “A vida lá (na várzea) não dá futuro, todo tempo está se começando a vida”.
* “Deve-se plantar juta, mas cedo, fazendo o plantio no mês de outubro, para colher no mês de março”.
* “A juta é uma coisa que a gente só planta quando financiam para a gente, então a gente tira as despesas para o trabalho e na entrega da juta liquida as contas”.
* Dificuldades para se transferir da várzea para a terra firme: é preciso pagar o arrendamento do terreno na terra firme, pagar o capineiro e o transporte do gado.
* “O varzeiro que não tem campo na terra firme não devia criar”.
* “Acho melhor mudar para a terra firme, sim, mas que seja colônia”.
* “Morar na várzea no verão e na terra firme no inverno”.
* “A gente só vende o gado quando está aperreado”.
* “Continuo na várzea porque é lá, no verão, que posso fazer a minha roça, com que depois planto a juta, a mandioca e outros legumes, e, principalmente, a criação do gado”.
* “Planto juta porque ela é um meio de vida muito ótimo para mim e minha família. E mesmo a juta é empregada no fabrico de nossos vestuários”.
* “A criação de gado é útil para nós, que somos principalmente pecuaristas - com o leite e a carne é que nos dão bastante saúde”.
* “Fico aqui porque não há emprego na cidade. Só se tivesse algum emprego talvez podia ir, se tivesse alguma garantia de sustentar minha família”.
* “Às vezes é preciso fazer maromba até para morar”.
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