Gov cop 30


Romeu e Julieta na selva 3s1x20

Lúcio Flávio Pinto - 26/09/2021

Em 1976 pude testemunhar, em Rondônia, uma reedição da tragédia de Romeu e Julieta em versão real no interior da floresta amazônica (ainda razoavelmente preservada na época). Perdi o caderno de anotações. Há um bom tempo venho tentando reconstituir as informações. Hoje, localizei uma das matérias, não a mais importante (que foi uma reportagem de meia página). É uma matéria que escrevi e foi publicada em O Estado de S. Paulo de 10 de novembro de 1976.

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Oréia até matou, e agora morre por uma branca

Posseiros que viviam nas proximidades da aldeia suruí, em Rondônia, mataram o índio Oréia, que, alguns meses atrás, havia raptado a moça Norminda, de 16 anos, filha do colono Severino Dias de Souza, e com ela viveu durante algumas semanas, no posto indígena Sete de Setembro. Depois que a família de Severino conseguiu retomar Norminda e manda-la para o Espírito Santo, onde ela vive atualmente em companhia de parentes, o índio Oréia, inconformado, invadiu a casa do colono, localizada ao longo da linha 11 do INCRA, e matou a machadadas um de seus sobrinhos.

Agora, vários índios suruí abandonaram o posto Sete de Setembro e embrenharam-se na mata em busca dos colonos que mataram Oréia. Esse ciclo de vinganças é apenas consequência dos muitos problemas criados com a presença dos colonos junto aos índios, desde que o INCRA decidiu criar na área um projeto de colonização. No início, os índios mostraram-se deslumbrados diante dos presentes que os brancos ofereciam, mas com o tempo perceberam que a presença do homem branco alterava suas vidas: a aldeia começou a ser cercada por lotes de colonos, a caça foi rareando e o bambu que servia para a confecção de flechas – simplesmente desapareceu.

Na verdade, as transformações foram além do nível material e interferiram diretamente na vida e na cultura dos suruí. Oréia, por exemplo, um dos mais valentes guerreiros da tribo, já havia algum tempo abandonara seus instrumentos rudimentares, e ara a caçar com carabina, e trocara as vestes indígenas por roupas de homem branco. O contato diário de Oréia com os brancos fez com que a jovem Norminda abandonasse o posto e fosse viver com ele no posto indígena. Quando a família do colono Severino Dias de Souza conseguiu recuperar Norminda, Oréia ficou inconformado. Mesmo a vingança, quando matou um sobrinho de Severino, não foi suficientemente para tranquilizá-lo. Desde então, o índio ou a comer pouco, “praticando lentamente o suicídio”, como definiu o sertanista Apoena Meirelles, diretor do Parque do Aripuanã.

Com a decisão de alguns suruís de vingar Oréia, a situação na área poderá se agravar, embora Apoena tenha garantido que a atitude dos índios está apenas ligada a essa circunstância, não afetando os trabalhos de demarcação da área que será reservada aos índios. Incialmente, houve um desentendimento entre o INCRA, que defendia a demarcação a três quilômetros do posto, e a Funai, que reivindicava uma distância de sete quilômetros da aldeia. Por fim, prevaleceu o entendimento do INCRA, apoiado pelo governador de Rondônia e pelo próprio ministro do Interior, Rangel Reis, que há algum tempo garantira que os limites estabelecidos pela Funai prevaleceriam.




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