Gov desmatamento


Santarém no epicentro da disputa Jarbas x Alacid, há 52 anos 5863p

Lúcio Flávio Pinto - 25/10/2020

Alacid Nunes, à esquerda, e Elias Pinto, quando desfilava em carro aberto por ocasião de sua posse na prefeitura de Santarém - Créditos: Portal OESTADONET/Arquivo

Em 1965, o regime militar, estabelecido no poder no ano anterior, com a derrubada do presidente João Goulart, enfrentaria a sua primeira eleição direta no Pará. O governador, o tenente-coronel Jarbas arinho, eleito indiretamente pela Assembleia Legislativa, depois da cassação do governador eleito Aurélio do Carmo, do PSD, tentaria fazer o seu sucessor.

 

Seu candidato era o até então prefeito de Belém, o major Alacid Nunes, que fora eleito indiretamente, pela câmara de vereadores, com a cassação de Moura Carvalho, também do PSD de Magalhães Barata.

 

Leia também: O massacre de Santarém, em 1968, nas memórias de um juiz de direito

 

O nome da oposição, o marechal Zacarias de Assunção, era senador e fora governador do Estado, derrotando Barata em 1950, com a decisiva participação do jornal Folha do Norte, de Paulo Maranhão. Agora, marginalizados do centro da política, os integrantes da antiga Coligação Democrática Paraense se juntavam aos inimigos históricos, numa coligação que colocava o PSD “baratista” ao lado do minúsculo PRT. A aliança do governo estabelecido era bem maior: liderada pela UDN, contava com o PTB, PTM, PDC e PR.

 

Alacid (tendo o petebista Renato Franco como vice-governador) foi eleito com 163.527 votos, esmagadores 70,89% dos votos válidos, recorde em todas as eleições realizadas até então no período republicano no Pará. Assunção, com o “baratista” Hélio Gueiros, teve apenas 67.116 votos, 29,11%.

 

No ano seguinte, o próprio arinho teria que enfrentar uma eleição direta, como candidato ao Senado. E superou Alacid, com 204.913 votos, ou 80,64% do total. Restaram ao advogado “baratista” Moura Palha 40.078 votos, minguados 16,36%. A vitória da situação foi completa: 8 dos 10 deputados federais e 33 dos 41 deputados estaduais. O regime militar se consolidara no Estado sob a liderança de Jarbas e Alacid?

 

Aparentemente, sim. Na verdade, não.

 

Numa carta secreta que endereçou aos comandantes militares locais, em 1982 (que revelei em março de 1986, em O Liberal), arinho reconstituiu o que teria sido o início do seu distanciamento do companheiro de farda e de política (“meu aluno, depois meu tenente auxiliar”), que acabaria em completo rompimento, justamente na eleição de 1982.

 

As desavenças começaram quando Alacid ainda era o candidato ao governo. Cera vez, ao procurar arinho, o informara que ele recebera um cheque de 45 mil cruzeiros do ex-governador cassado do Amazonas, Gilberto Mestrinho, “na época um bom dinheiro”. arinho diz na carta que teve “uma explosão de raiva”, Argumentou que Mestrinho havia “agravado violentamente” o general Moniz de Aragão, em Manaus, e que tinha, no Estado-Maior do Comando Militar da Amazônia, “uma ficha de contrabandista”.

 

Travou-se então, na reconstituição de arinho, o seguinte diálogo:

 

“– Você acaba de conspurcar a Revolução aceitando esse dinheiro!

 

Ele retrucou:

 

– Mas esse f. da p. nada receberá de mim em seu favor.

 

Indignado, insisti:

 

– Já recebeu, pois comprometeu a Revolução através de você. Por que acha que ele lhe deu esse dinheiro?

 

– O homem foi com minha ‘fachada’, foi a resposta, muito ao estilo dele.

 

Encerrei a conversa, revoltado. E o sr. Alacid nunca mais me fez qualquer confidência. Tenho testemunhas da emissão do cheque”, relatou arinho,

 

Mesmo assim, decidiu manter o apoio a Alacid, depois de relatar o ocorrido ao general Bizarria Mamede, comandante do CMA, “porque as eleições seriam realizadas dentro de um mês, ou menos, e já não haveria mais como mudar de candidato”.

 

O governo de Alacid, ao sucedê-lo, “parecia o de um oposicionista ao meu. Minha casa parecia um muro de lamentações dos que o ajudaram a eleger-se. Começava a funcionar o complexo de inferioridade dele em relação a mim e o seu processo de autoafirmação”, assinalou arinho.

 

Assim, o que poderia parecer a consolidação da aliança entre os dois militares que chegaram ao poder estadual com o golpe de 1964, sem o conhecimento desse episódio, de o apenas a um reduzido número de pessoas, era só aparência mesmo. Se Alacid atacou os “jarbistas” desde a sua posse, em 1966, a vitória ainda maior do ex-amigo e aliado fora obtida por arinho sem a contribuição pessoal do governador.

 

Tão ruim quanto esse foi outro resultado de 1966. O governo voltou a vencer em todo Estado, menos no segundo maior município, Santarém, onde o oposicionista Elias Pinto massacrara o candidato da Arena, o engenheiro Ubaldo Corrêa, de tradicional família local. Elias perdera as disputas anteriores, de 1958 e 1962, mas atribuíra a sua derrota a manipulação eleitoral, devido à conivência do juiz de direito da comarca.

 

Em 1966 ele fora removido para Belém. Sem o “mapismo” (fraude na apuração dos votos), Ubaldo, vencedor em 1958, amargou a pior derrota já registrada em uma eleição em Santarém. Ele não engoliu a desfeita do povo, nem seu padrinho eleitoral. Sabendo que ambos tentariam tirá-lo da prefeitura, e contando com apenas dois dos 11 vereadores, Elias recorreu ao vice-governador, João Renato Franco, seu amigo e correligionário do PTB, para uma audiência. O encontro foi marcado e realizado, mas não teve qualquer efeito.

 

Alacid já estava decidido a não aceitar a derrota, que o diminuía ainda mais na comparação com arinho. Fez tudo que podia para a deposição do prefeito, que só permaneceu seis meses no cargo. Até o uso da Polícia Militar, que impediu a reintegração do prefeito com um contingente de 150 homens da Polícia Militar.

 

Estavam autorizados a matar, se preciso fosse, para desrespeitar a decisão do juiz Christo Alves, conforme o depois desembargador relatou na sua autobiografia, publicada neste ano. Cumpria-se mais uma vez o slogan disseminado pelo Estado nessa época: “no Pará quem decide é Alacid”. Nem que fosse a bala.




  • Imprimir
  • E-mail