Memória: De Jarbas arinho ao santareno Cléo Bernardo 14b2
Créditos: Ministro do governo Médici, cel. Jarbas arinho em março de 1972. Ao seu lado Lourenço Lacombe e logo atrás D. Pedro Gastão
A dedicatória de Jarbas arinho, datada de Brasília, em 1973, é “ao velho Cléo”, a quem chama de “bom e leal amigo”. Ao advogado, ex-deputado estadual e líder político em Santarém, Cléo Bernardo de Macambira Braga, o então ministro oferecia “este ’exercício literário’ em homenagem ao seu insuperável amor pelo Homem”.
O “exercício literário” é o romance Terra encharcada, com o qual o então major do Exército ganhou o prêmio Samuel Wallace Mac Dowell de 1959 da Academia Paraense de Letras, da qual era associado. arinho escreveu o livro em 1948, quando era tenente instrutor da academia militar. Alterou “ligeiramente” o texto original para concorrer ao prêmio.
Os jurados que o declararam vencedor disseram que a história mostra a reação de “dois seres humanos – cada um em um plano diferente – diante da degradação e da miséria”. É um protesto “contra a sociedade, contra a indiferença dos poderes públicos, contra a corrupção e o poder dos grupos plutocratas”.
arinho se inspirou num fato real dos anos 1920: a revolta dos trabalhadores braçais do império do coronel José Júlio de Andrade no vale do rio Jari (onde, depois, se instalaria o milionário americano Daniel Ludwig). Liderados por um retirante cearense, um “arigó”, Genésio, os seringueiros, extratores de castanha, caçadores, pescadores e outros trabalhadores fugiram das condições de autêntica escravização, chocando Belém quando surgiram no porto famintos e doentes.
A dedicatória é muito expressiva porque arinho servia à ditadura militar, que cassou o mandato e suspendeu os direitos políticos de Cléo Bernardo, em 1964. A edição, de 236 páginas, foi publicada pela editora portuguesa Livros do Brasil, na coleção Livros do Brasil, com um bonito desenho de Dorindo de Carvalho na capa.
Não há qualquer sinal indicando que Cléo leu oo romance, que arinho dedicou à sua mulher, Ruth.
Um viajante amazônico
Raymundo Moraes foi um comandante de gaiola, navio que fazia a ligação das principais cidades ribeirinhas da Amazônia e era o principal transportador de cargas na região. No timão, percorreu muitas vezes os rios, parando em todos os locais da linha. Acumulou histórias numerosas e ricas, que usou em 14 livros de sucesso na época, ainda com bom preço e vendagem em sebos espalhados pelo país.
O valor desses livros é irregular. Meu dicionário de coisas da Amazônia, em dois volumes, é uma preciosa fonte de informações sobre a história, o folclore e a geografia da região. Outros, com pretensão científica, perderam o interesse. Há um que é a beatificação de um personagem que não merecia tantos louvores sem sustentação, o coronel José Júlio de Andrade, o “dono” do rio Jari (e é um dos livros mais difíceis de encontrar, talvez porque o homenageado comprou toda a edição ou o homenageador se arrependeu do cometimento, retirando-o até da sua bibliografia).
O livro de Raymundo Moraes mais bem sucedido foi Na planície amazônica. A edição mais recente que tenho, dentre todas que comprei em sebos, principalmente em São Paulo, é a 6ª, de 1960, que já não teve mais prefácio do autor (o último que escreveu foi o da 5ª edição, de 1938). A edição, em 232 páginas, é da Conquista, do Rio de Janeiro, com ilustrações de Israel Cysneiros.
A leitura desse volume é útil, mas o que mais me interessou neste registro foram as dedicatórias, que demonstram certo servilismo de Raymundo Moraes pelos poderosos. Exatamente por isso, as referências são um quem é quem das pessoas influentes na República Velha no Pará e na Amazônia, acrescidos de três personagens nacionais: Pedro Calmon, Gustavo Barroso e Cândido Mariano Rondon.
São citados por Raymundo Moraes Dorval Porto, Santana Marques, Dejard de Mendonça, o irmão marista Pedro de Alcântara, Acilino de Leão, Artur Virgílio, Jaime Aben-Athar, Sá Peixoto, Carlos Fernandes, Paulo Emílio, Caio Valadares, Otávio Oliva, Alberto Autran, Aristides Rocha, Oscar de Carvalho, Adriano Jorge, Edgard Chermont, Alves de Sousa, Agnello Bittencourt, Henrique Santa Rosa, Deodoro de Mendonça.
Valia a pena reeditar as obras de Raymundo Moraes, anotadas e corrigidas. Ou pelo menos montar as biografias de todas as pessoas às quais dedicou seus livros. Seria um rol de personagens da I República, sob a ótica do autor.